quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Lobo Popeye

Eu nunca entendi direito o Popeye. Quando eu era criança eu adorava o desenho, mas hoje eu acho tosco, com histórias ruins e uma técnica de desenho e animação amadoras. Nem Mariah aguenta. A única questão que fica aberta é o espinafre. O Espinafre é um vegetal sem graça que lá em casa a gente coloca ovo por cima no final para dizer que fez uma receita popular. O espinafre também não deve ser muito calórico porque na tabela de dieta convencional ele está na categoria "Vegetais A". Ao contrário dos "Vegetais B", os do tipo A podem ser consumidos com menor restrição. Junto com o espinafre temos a acelga, a alface e outros seres viventes e cheios de folhas e fibras. Atualmente alguns nutricionistas separam os "folhosos" dos "vegetais A", neste caso o espinafre fará parte do novo grupo, junto com a alface, rúcula, agrião e bertalha. Delícia.

Na minha pré-adolescência eu convivia com o espinafre esporadicamente quando a minha mãe comprava na feira, na tabela nutricional da endocrinologista e nos desenhos do Popeye. Como um vegetal A, cheio de água, fibras e quase nenhuma caloria poderia deixar o marinheiro tão forte a ponto de cobrir o folgado do Brutus de pancada é um mistério que até hoje eu não consegui decifrar. Deve fazer parte da lógica dos vegetarianos: "Olha o cavalo, ele não é forte? E o touro? Eles só comem vegetais, são vegetarianos!" Quem afirma uma coisa dessas não diz que o boi é ruminante, nem que tem que ficar comendo sem parar volumosas quantidades de grama o dia todo dada a baixa energia contida neste alimento.

Mudo de canal, tiro do Gloob e sintonizo o NatGeo. Adoro o NatGeo! Que canal eu posso ver reality shows camuflados de documentário mostrando mexicanos com mais de trezentos quilos indo para a cirurgia bariátrica? Amo, me sinto magro. NatGeo também mostra a vida selvagem no mundo. Morro de pena dos enormes mamíferos vegetarianos sendo atacados por uma matilha de lobos ferozes enlouquecidos de fome.

Por aqui, na civilização, a muitos quilômetros do habitat dos lobos só nos restam cães e gatos. O cão é um lobo domesticado. Em centenas de anos o homem pegou lobos e foram cruzando os mais amigáveis, o mais sociáveis e fez o cão, num processo de seleção artificial, porém o cão continua muito próximo do lobo. É mais que um primo, é um irmão. Até hoje o cruzamento de um lobo com uma cadela é perfeitamente possível. Concluo então que o cão é naturalmente carnívoro.

A reflexão a respeito do gato é similar. O gato selvagem é carnívoro e os felinos que eu vejo no NatGeo também são carnívoros. Não consigo imaginar tigres e onças comendo frutas, legumes ou verduras. Gato gosta de carne, pergunte ao dono da barraca do peixe na feira mais próxima.

Na civilização, os nossos bichinhos de estimação comem ração. Acreditamos que é a melhor solução nutricional possível. A ração é até enriquecida com vitaminas. Aqui está a composição de uma ração para gatos de marca famosa:

Farinha de carne e ossos, farinha de subprodutos de frango, glúten de milho, quirera de arroz, milho integral moído, gordura de frango, gordura bovina, farinha de trigo, taurina, metionina, palatabilizante, vitaminas ( A, B1, B2, B6, B12, D3, E, K3, ácido fólico, niacina, biotina, cloreto de colina, ácido pantotênico), minerais (cloreto de sódio (sal comum), cloreto de potássio, óxido de zinco), antioxidante, corantes

Não consigo imaginar um gato comendo milho integral moído. Nem farinha de trigo, nem glútem de milho. Tem alguma coisa errada. Esta composição talvez explique porque observamos tanto gato gordo criado em apartamento a base de ração. Pode ser que o animal  simplesmente esteja comendo o que ele não consome quando está no seu habitat natural, na floresta, e o seu organismo está reagindo na forma de obesidade.

Passo para a ração para cães, o nosso doce lobinho:

Farinha de Carne e Ossos, Farinha de Subprodutos de Frango, Milho Integral Moído*, Quirera de Arroz, Glúten de Milho*, Gordura Animal, Farelo de Trigo, Farelo de Milho*, Cenoura, Espinafre, Palatabilizante, Vitaminas (A, D, E, B1, B2, B6, B12, Cloreto de Colina, Biotina, Ácido Fólico, Ácido Pantotênico, Niacina), Minerais (Iodato de Cálcio, Sulfato de Cobre, Sulfato de Ferro, Cloreto de Sódio (sal comum), Óxido de Zinco, Cloreto de Potássio, Selênio), Antioxidante, Corantes.
Eventual substitutivo: sorgo integral moído.

Como pode um quase lobo comer espinafre e cenoura? Será que é para ficar forte como o Popeye e esperto como o Pernalonga? Será que realmente um produto com esta composição pode fazer bem para um animal que durante milhões de anos evoluiu comendo basicamente carne?

Hoje eu não sigo mais tabelas nutricionais convencionais, mudo de canal quando passa o desenho do Popeye e na minha casa raramente entra a folha verde escura. Posso afirmar que o grupo dos fãs do espinafre não deve ser muito grande no Rio de Janeiro, mas é fácil de comprá-lo. Deve ter muita mãe no meu bairro forçando o filho a comer este alimento tão sem graça. Uivarão nas noites de luar.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Salomão, o maior macho-alfa que existiu

Um pouco antes do Natal estávamos eu, minha filha e minha esposa voltando da escola de natação, pois não quero que a minha pequena tenha tanto medo das águas quanto eu, quando, já quase chegando em casa, meus olhos de águia cheios de astigmatismos e hipermetropias percebem um livro perdido em um telefone público. Mecanicamente olho para os lados para certificar que o dono não está perto para confirmar o abandono ou esquecimento e para minimizar os riscos de algum constrangimento, pego o livro e vejo que o título não me é de todo desconhecido: comentários e resenhas surgem fracamente na memória.

Luiza pensou que fosse obra de algum evangélico que deixara o livro no orelhão de propósito, no entanto não era um livro cristão, pelo contrário: era um livro ateu chamado “Deus, um delírio”, que confundiu a Luiza talvez pela capa escura com a palavra “Deus” com mais destaque que as demais. O exemplar está em bom estado, ainda que com riscos na primeira folha interna que parecem originários das mãos de uma criança. Levei a obra para casa, guardei na estante para uma leitura cuidadosa em momento oportuno que ainda não chegou.

Até hoje eu estou refletindo, tentando colocar a fé e a religião de lado, imaginando se a tese de alguns cientistas de que o conceito de divindade foi criado e se perpetua por ser uma vantagem competitiva na luta pela sobrevivência. É um exercício mental interessante que espero ajudar a prevenir o Alzheimer. Acreditar em Deus nos faria mais tolerantes, fortes, persistentes e, de certo modo, éticos. Fiquei imaginando como explicar a natureza e a sociologia pelo prisma dos que esposam estas teorias. Vamos jogar gasolina na fogueira, tocar nas feridas e cutucar onças com vara curta: como explicar, sendo ateu, o crescimento do Cristianismo, uma religião que surgiu como seita do Judaísmo e se tornou independente e muito maior em número de fiéis? Foi mais fácil do que eu imaginava.

Em primeiro lugar o Cristianismo não é restritivo. Enquanto o Judaísmo tem forte fator genético o Cristianismo aceita qualquer pessoa, aumentando estupidamente o público-alvo que antes era formado apenas por judeus. O Judaísmo tem forte fator genético: a sua mãe precisa ser judia, ou você terá que passar por um longo processo que eles chamam de “assimilação” que em parte, até onde eu sei, é feito fora do Brasil.

Em segundo lugar o Cristianismo é “povão”: Jesus falou o que as massas queriam ouvir ou os que reproduziam o que Jesus falou só divulgaram o que a massa desejava ler, numa suposta tentativa de ganhar popularidade. O Sermão da Montanha, como relatado nos evangelhos, é um grande discurso para os pobres, humildes, humilhados e oprimidos. É um discurso para comover a maioria da população e tocar nos seus sentimentos mais íntimos.

Em terceiro lugar existe uma questão genética evolutiva, muito sutil, porém relevante no meu entendimento. O rei Salomão casou com mil mulheres. Considerando que a taxa de nascimentos é aproximadamente um homem para cada mulher, a população de Israel seria formada por metade homens e metade mulheres. Se Salomão possuía mil mulheres, então novecentos e noventa e nove homens ficaram solteiros e sem filhos, sem se reproduzirem nem passarem seus genes adiante. Os panos quentes podem argumentar que o autor do livro sagrado que conta a poligamia de Salomão exagerou, seguindo uma tendência literária da época para mostrar o poder, virilidade e glamour do rei Salomão, que é impossível ter mil mulheres, que este número vultoso incluía as serviçais que prestavam serviços ao rei e não mantinham relações amorosas ou sexuais com este e que a proporção entre mulheres e homens não era de um para um porque os homens morriam em batalhas e acidentes de trabalho, supostamente “sobrando” mulheres.

Mas o fato é que existiu uma poligamia e esta poligamia era consentida pela religião naquela época, pois o livro sagrado não trata este fato como algo ruim e poligamia só é vantajosa e viável para os que têm mais dinheiro, não os pobres.

Com o tempo a poligamia passou a ser proibida, ainda no Antigo Testamento, mas o “jeitinho” manteve o divórcio. Com o divórcio não é mais possível ter um harém, com várias mulheres te abanando com plumas de aves raras enquanto outras servem cachos de uvas frescas enquanto você fica numa cama cheia de confortáveis almofadas recebendo seus convidados, mas você pode, no decorrer da vida, ter várias mulheres, uma de cada vez. O único problema era que a expectativa de vida era muito baixa e os que viviam muito não podiam comprar Viagra, inventado milhares de anos depois, o que na prática limitava número máximo de mulheres para um valor bem inferior a mil.

Jesus - ou o redator do Novo Testamento – acabou com esta farra que só prejudicava o pobre macho-beta sem dinheiro: sacramentou definitivamente a monogamia e instituiu o princípio da insolubilidade do casamento (“O que Deus uniu o homem não separa”), acabando com qualquer dúvida com relação à poligamia e ao divórcio.

Mais ou menos: conheço um monte de igrejas supostamente cristãs que casam divorciados sem o menor problema.