segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

O engenheiro que não sabia matemática

Existem dezenas - talvez centenas - de livros classificados como autoajuda. Boa parte tenta ensinar o sucesso, a riqueza e a prosperidade com felicidade. Dentre as várias sugestões, todos tem em comum a importância da persistência, que é fundamental nos negócios, nos relacionamentos e no desenvolvimento de uma nova habilidade.

Talvez o livro mais popular sobre a persistência dos últimos anos seja o Outliers, de Malcolm Gladwell. Embora não seja este o único tema tratado, nem o considere um livro de autoajuda, a obra contribui muito ao enfatizar que para ser realmente bom em alguma atividade são necessárias dez mil horas de diligente treino. Convenhamos que para estudar ou treinar todo este tempo sugerido por Gladwell é fundamental uma persistência incrível.



Se a persistência é tão importante, ela deveria ser ensinada no lar e na escola para já estar sedimentada quando o jovem entrar no mercado de trabalho. Mas eu só vejo a persistência ser estimulada e levada a sério em dois casos no Brasil: na música e no futebol. Talvez seja por isso que a música e o futebol brasileiro sejam respeitados e admirados fora do nosso país.

Parte da nossa tragédia ocorre justamente por esta falta de ensinar e estimular a persistência, contudo o que eu vou relatar não tem valor científico, é meramente observacional, uma constatação de quem convive com muitos professores no âmbito familiar e social e é casado com uma pedagoga: ao chegar no final do ensino médio, principalmente no último ano, o estudante se depara com a necessidade de escolher o curso superior e, se ele apresentou um resultado medíocre em matemática, os pais e professores são uníssonos e desaconselham a escolher engenharia. E o inverso também ocorre: os classificados como bons em matemática são constantemente sugeridos a seguir engenharia.

Dificuldades em matemática na infância e adolescência quase todos nós tivemos, mas nossos pais e professores confortam-se, não estimulam a persistência no aprendizado da matemática e muitas vezes nem tentam encarar o problema como uma questão educacional e de insistência num trabalho duro, mas fundamental. O aluno tem ou não tem jeito para a matemática e pronto. Aceita porque será menos doloroso.

Neste ponto que o livro do Gladwell abre sem querer um horizonte e se encaixa no nosso problema: para ser realmente bom em matemática preciso treinar, estudar e fazer muitos exercícios. Dez mil horas é um bom número. Mas isto não acontece no Brasil, afinal decorar, fazer muitos exercícios e estudar com afinco é coisa de asiático. Não por acaso eles estão dominando o nosso mundo cheio de ocidentais preguiçosos.

Segue a dança. Os apenas bons em matemática poderão se tornar péssimos engenheiros, os que não tem a verdadeira vocação, mas, na esperança de ganhar dinheiro em cima deste dom tão raro no Brasil, conseguem o sonhado diploma. Não por acaso temos tantos engenheiros fazendo trabalhos que não são de engenheiros. São programadores, analistas de sistemas, trabalhadores do mercado financeiro e administradores. As faculdades de engenharia perdem os ruins em matemática, mas que seriam ótimos engenheiros, a despeito das dificuldades dos dois anos iniciais.

E os ruins em matemática? Estes são usualmente estimulados a seguirem carreiras das chamadas Ciências Sociais. Serão sociólogos, historiadores, políticos, advogados e juízes. Sua dificuldade inicial em matemática que poderia ser resolvida por meio de dedicação e foco, se revelará em análises ruins e conclusões erradas pois, sem a matemática, as filhas mais importantes nas Ciências Sociais, a estatística e a financeira, são barreiras intransponíveis e eles não conseguem entender o mundo a sua volta, que é justamente a proposta da Ciência Social. Como uma pessoa péssima em matemática pode julgar um processo de cobrança de impostos entre o governo e uma empresa ou uma dívida entre uma pessoa jurídica e uma física? Como um político pode propor leis tributárias que estimulem empregos sem uma boa base matemática?

A dança ainda não acabou. Os ruins em matemática acabam ocupando os postos mais estratégicos do Estado, como promotores, juízes, políticos e ministros. São profissões muito bem remuneradas o que, aos olhos de um jovem estudante, parecem bem atraentes. O recado que a sociedade transmite para este adolescente é que estudar matemática e ciências vale menos a pena que ter boa retórica. Esqueça os argumentos técnicos e matemáticos e use a garganta e a subjetividade, se possível, deboche com sutileza de quem quer mostrar a solução de um problema por meio de números, dados estatísticos e planilhas. Certamente neste momento o texto o fará lembrar de um professor, um médico, um político ou mesmo um chefe. E não é o seu cérebro te enganando.